Dois dias em Nápoles

Depois de passar quinze dias incríveis e intensos entre Roma e Toscana, precisaria ir até um vilarejo próximo a Nápoles para buscar um documento para um cliente que queria fazer sua cidadania italiana.

A princípio não fiquei muito entusiasmada, pois minhas referências sobre Nápoles não eram das melhores. Alguns amigos que já haviam estado lá, disseram que a cidade servia apenas de passagem para chegar em Positano, e que se um dia eu fosse até lá, deveria tomar muito cuidado, porque era perigosa, suja, feia e eu pensei: MEU DEUS, Vou ter que ir sozinha até esse lugar!

Por sorte, minhas amigas Ana Grassi e Cyntia Braga, sugeriram que fôssemos juntas e ficássemos não um, mas dois dias em Nápoles. Me investi de coragem, compramos as passagens de trem e embarcamos para mais essa aventura. Chegamos em pouco mais de uma hora.

A doce chegada a Nápoles

Apesar de a primeira impressão logo na chegada à estação central ter sido de um lugar com muita confusão, meu espírito aventureiro me fez deixar de lado todo o medo decorrente dos relatos de amigos,  e me entreguei à cidade. E foi a melhor coisa que eu poderia ter feito!

Antes mesmo de chegar ao hotel me deparei com uma confeitaria especializada em ‘sfogliatelle‘, um doce típico napolitano à base de massa folhada e recheado com ricota.

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A sfogliatella na versão salgada – Dois dias em Nápoles

Eu já havia experimentado algumas vezes em Milão, mas não tinha gostado muito. Todavia, como a confeitaria ‘Cuori di Sfogliatella‘ era famosa e a Ana garantiu que eram deliciosos (e, como sempre, ela tinha razão), parei para conferir. E esse foi o primeiro passo para o começo do meu amor por Nápoles!

Nesse momento, já sabia que minha ‘dieta’ napolitana seria à base desse doce.

Descobrindo Nápoles

Após um check in muito rápido no hotel Ibis Styles, eu e as meninas nos ‘jogamos’ pelas ruas de Nápoles.

Aliás o hotel foi outra grata surpresa da viagem, pois, além de uma localização ótima para locomoção (ao lado da Estação Central e da estação de metrô Garibaldi), oferece quartos e serviço muito bons para um hotel econômico.

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IBIS Style – Dois dias em Nápoles

Começamos a caminhar, com destino à famosa via dos presépios napolitanos. Nossa vontade era a de explorar e viver a cidade de peito aberto, livre de roteiros ou preconceitos, com o único objetivo de aproveitar tudo o que Nápoles podia oferecer.

No meu coração, inicialmente, senti um pouco de medo que foi imediatamente superado pela curiosidade e pela magia da cidade e de seus habitantes.

Caminhando por suas ruas, logo entendi que a Itália que vemos nos filmes, aquela de italianos “tutti buona gente” fica nessas cidades do sul. E Nápoles, certamente, é um dos melhores exemplos.

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Esse senhor era uma simpatia! Passa o dia conversando com os “fregueses” – Dois dias em Nápoles

Imagine uma cidade colorida, com pessoas simples, alegres e acolhedoras e de hábitos extravagantes. Essa é Nápoles, uma  cidade única e capaz de despertar reações extremas do tipo: ‘ame ou odeie’. Eu, me alinho àqueles que a amam.

Ao visitá-la pela primeira vez, é impossível não notar um grande contraste entre construções suntuosas e decadentes. As cores das banquinhas de frutas e verduras que alegram a cidade e misturam-se com aquelas das roupas penduradas em quase todas as janelas e com o cinza de prédios, aparentemente abandonados.

dois-dias-em-napoles-2Caminhar por suas ruas é uma experiência quase surreal. É preciso estar atento aos motorinos, que circulam por todos os lugares. E quando digo todos significa calçadas, estacionamentos e até pelas ruas, rigorosamente, sem capacete.

As casas ao nível da rua tem suas janelas e portas espalancadas, quase como um convite para entrarmos na vida privada de seus moradores. Durante o passeio pelas ruas e vielas vamos tendo contato com o cotidiano desse povo tão peculiar. A imagem clássica da senhora italiana apoiada na janela ou na varanda, observando quem passa é completamente napolitana.

dois-dias-em-napoles-3Ao longo das ruas o perfume de comida, doces, pães é inebriante e se mistura ao perfume do mar. E o mar, bem, esse se embala entre castelos, vilas e até um vulcão adormecido.

Repentinamente sinto um cheiro forte de pimentão assado, paro e vejo uma senhora que prepara a comida para o dia seguinte com as portas abertas, praticamente no meio da rua, e me acolheu com um sorriso aberto. E aqui, eu já estava rendida: Nápoles em apenas 1h havia roubado meu coração!

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Ao caminhar pelas ruas estreitas, as pessoas passam por você sempre com um grande sorriso, cumprimentam, oferecem um café, convidam para entrar em suas casas. A sensação é de estar em uma cidade do interior com poucas famílias, mas estamos em uma grande cidade italiana de fato, a terceira cidade mais povoada da Itália.

Roteiros Personalizados

A receptividade dos napolitanos é algo sem precedentes, especialmente para alguém como eu que mora em Milão e está acostumada com a cerimônia dos milaneses até para tomar uma café. Fiquei encantada!

Observada pelos olhos de uma Curitibana, erradicada em Milão, Nápoles realmente pode parecer um ‘pouquinho’ bagunçada, especialmente no trânsito. A sensação é de que não existem regras que não possam ser quebradas. Eu não ouso me imaginar dirigindo por lá.

Boa parte do tempo que estive na cidade, andei de metrô, – cujas estações são absolutamente incríveis, modernas e lindas e acentuam o contraste napolitano de ruas estreitas e prédios antigos -, mas em algumas ocasiões tive que andar de táxi e isso se revelou uma divertida aventura.

A rua dos presépios – Via San Gregorio Armeno

Chegando na Via San Gregorio Armeno, me senti como uma criança visitando a Vila do Papai Noel. Não conseguia escolher um lugar para olhar.

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Via San Gregorio Armeno – Dois dias em Nápoles

A rua, estreita e em subida, culminando com o lindo campanário de San Gregorio Armeno, é tomada em todos os lados por artesãos, seus presépios e elementos da superstição napolitana, todos feitos à mão, onde as cores vivas e a mistura de sacro e profano, embalada pelo dialeto napolitano, é a representação mais perfeita da alegria desse povo. Ali é Natal e festa o ano inteiro!

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Os presépios artesanais – Dois dias em Nápoles

Foi impossível sair de San Gregorio Armeno, sem antes comprar um ‘corno’ ou ‘chifre’ que para os locais, simboliza o desejo de sorte, proteção contra maus agouros e perigos, assim como a figa para nós brasileiros.

E como nos explicaram o ‘corno’ tem que ser um presente para que faça seu efeito. Por isso, esse foi um dos momentos mais marcantes da viagem, pois, eu e as meninas trocamos esse presente e com ele, os desejos de uma amizade duradoura e de muita sorte e felicidade recíproca, em um daqueles raros instantes em que você sente na sua alma a intenção verdadeira de alguém. Independente de crenças, nosso ‘cornos’ servem para lembrar que  ‘Sempre teremos Nápoles’ para coroar nossa amizade.

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Este chifre é um objeto típico napolitano para afastar o negativo e atrair a sorte – Dois dias em Nápoles

A verdadeira pizza napolitana

Depois de algumas horas passeando pela cidade chegou o momento de almoçar. E eu e as meninas, antes mesmo de sair de Roma, tínhamos como objetivo experimentar a verdadeira pizza napolitana.

Foi assim que com a indicação de uma das vendedoras da rua dos presépios chegamos à pizzaria La Figlia del Presidente, e ali pude comprovar o que sempre me disseram: sim, a pizza napolitana com sua massa de borda alta, molho de tomate san marzano e a ‘tal’ mozzarella di bufala campana, é a melhor do mundo!

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Ai essa pizzaaaaaaa – Dois dias em Nápoles

Nápoles subterrânea

Depois de provar a verdadeira pizza napolitana, o próximo destino foi uma viagem no tempo para conhecer, literalmente, à fundo, a história de Nápoles. Desde a fundação de Partenopea pelos Gregos no século VII a.C, passando pelos Etruscos e Romanos até chegar nos dias atuais.

O passeio, guiado por uma simpática napolitana, começou pelos pátios da Igreja e do Claustro de San Lorenzo Maggiore, e continuou descendo por aproximadamente 10 metros de profundidade onde foi possível ver de perto como viviam os antigos gregos e romanos que fizeram dessa terra sua casa.

É impossível estar ali embaixo e não se imaginar como um grego ou romano, caminhando pelas ruas de pedras enormes, ainda originais datadas do século V a.C, e vivendo os antigos mercados de peixe, lavanderias, restaurantes e tavernas. Uma inteira cidade 10 metros abaixo da terra.

E eu, sigo me apaixonando por Nápoles, nesse caso ‘Neapolis’.

O Cristo Velado

Desde o dia em que soube da existência da escultura do Cristo Velado de Giuseppe Sanmartino (1753), sabia que eu precisaria ir ver esta obra de perto.

Ao entrar na pequena e misteriosa Capella di San Severo meus olhos escorreram rapidamente todas as 18 espetaculares estátuas que a decoram, juntamente com diversos afrescos, em busca dele, o Cristo Velado e logo o encontrei, ali no meio deposto como um anjo em seu repouso eterno.

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Cristo Velato na Capela de San Severo – Dois dias em Nápoles

Embora esculpido em mármore, a perfeição de seus traços e o realismo e movimento do véu caído sobre seu corpo não deixam espaço a qualquer sensação de ‘frieza’, ao contrário é real, é forte, é intenso. Por alguns instantes, esqueci que estava acompanhada e me ‘debulhei’ em lágrimas, contemplando cada pedacinho dessa obra-prima.

Apenas outras duas obras me deram essa emoção: A Pietà do mestre Michelangelo e a linda Primavera de Botticelli, verdadeiras poesias em forma de arte.

E somente por isso, já valeria a pena ter estado em Nápoles.

Castel dell’Ovo

Mas, como dizem os milaneses, Nápoles ‘é tanta roba’, essa expressão significa que é ‘muita coisa’, que é especial, que tem muito para oferecer, que não acaba nunca.

E por isso, o dia terminou com um passeio na beira-mar aos pés do Castel dell’Ovo. Além da  beleza do castelo que fica em uma pequena ilha, e do mar, a região é repleta de restaurantes e bares. O que tornou a experiência ainda mais interessante, pois, observar os napolitanos e sua alegria e modos exuberantes em uma noite de sábado era tudo o que faltava para tornar Nápoles um daqueles lugares para os quais, com certeza, quero voltar.

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A noite em Nápoles – Dois dias em Nápoles

Catacumbas de San Gennaro

O segundo dia em Nápoles foi um pouco mais ‘desacelerado’, estava chovendo, a Cyntia deveria partir logo após o almoço e estávamos as três bem cansadas.

Então, a melhor opção foi um passeio panorâmico com o ‘ônibus vermelho’. Sim, nos rendemos à linha de turismo. Mas foi bem bacana, pois, pudemos ver um pouco da cidade inteira, apesar da chuva.

dois-dias-em-napoles-13Depois de constatar que a cidade é mesmo linda por inteiro, com a vista do mar salpicada pelas cúpulas que renderam a Nápoles o apelido de ‘Cidade das 500 Cúpulas’, a parada escolhida foi para visitar as Catacumbas de San Gennaro. Uma visita guiada realmente intrigante entre as tumbas do século II d.C. e que abrigam a sepultura de San Gennaro, padroeiro da cidade (não é à toa que Gennaro é um nome napolitano por excelência).

dois-dias-em-napoles-15 dois-dias-em-napoles-14Os subterrâneos cheios de história e superstição, contam a evolução de um povo e acolhe também a pequena Basílica de San Agrippino, onde até hoje são celebradas missas.

Chiaia – O bairro mais elegante de Nápoles

Depois que nos despedimos de Cyntia, eu e Ana resolvemos fazer um programinha mais ‘light’ e procuramos um cinema.

Então, descobrimos o Cinema Metropolitan, no ‘quartiere’ Chiaia, centro histórico ‘novo’ e considerado o bairro mais elegante da cidade, onde encontramos as grandes marcas de alta moda e restaurantes famosos.

Fomos de metrô o que foi perfeito, e nos permitiu passear, novamente pelas ruas da cidade, agora, em um lado muito mais glamouroso. E claro Nápoles impressiona novamente, já na saída da estação de metrô chamada Municipio, me deparei com a Piazza Município e a belíssima fonte de Netuno. Do outro lado, o grandioso Castel Nuovo e ao fundo o mar, o lindo mar.

dois-dias-em-napoles-11O caminho, de aproximadamente 15 minutos de caminhada entre vias estreitas e o vai e vem napolitano, permitiu observar a majestosa Galeria Umberto I, a via Chiaia, cheia de lojas e restaurantes e bares elegantes e suas encantadoras ruazinhas laterais, como o ‘vico Belledonne’ e a Piazza dei Martiri, considerada uma das mais belas de Nápoles.

O bairro é lindo, muito organizado, e com uma vida noturna bastante ativa. Em pleno domingo à noite, não havia um único bar ou restaurante vazios, o cinema estava lotado e os calçadões para pedestres completamente ocupados de casais e famílias, inclusive com crianças.

E como falo de Nápoles, o quadro não estaria completo se não tivesse algo muito inesperado acontecendo, Afinal, em que outro lugar do mundo um burrinho (de verdade) estaria caminhando bem no meio da rua mais chic da cidade zurrando em meio às pessoas, sem causar estranheza aos passantes?

dois-dias-em-napoles-7Sim, Nápoles vai deixar saudades, foram dois dias de emoções intensas e inesquecíveis que mudaram para sempre minha concepção sobre a cidade e me fizeram colocar mais um pedacinho da Itália dentro do meu coração.

DICA: Quando for para Nápoles, se entregue para as experiências que a cidade pode oferecer, sem preconceito. Caminhe, converse com as pessoas, experimente os pratos aparentemente improponíveis e VIVA esse lugar lindo e único. E claro, reserve pelo menos 3 dias para tudo isso, pois, dois dias em Nápoles não são suficientes para essa cidade apaixonante.

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9 COMENTÁRIOS

  1. FANTÁSTICO texto dessa minha linda e delicada amiga, que descreveu com maestria nossa aventura e bons momentos pela cidadela napolitana. Foi sim, tudo maravilhoso, incluindo a companhia dessas minhas duas “sis” amadas! Bjs linda. E parabéns pelo texto! ❤️

  2. Chorei com seu relato. Ja estive na Itália algumas vezes mas sempre ao Norte. Só uma vez fui a Salerno, na Cidade de Camerota conhecer minhas raízes e me apaixonei pelo Sul da Itália. Que gente encantadora. Gostaria de conhecer vc.!!!!!!!

    • Oi Valeria, o sul é encantador!
      Fique de olho! Faço muitos eventos com meus leitores e seria um prazer te ter por lá.
      Ana

  3. Orgulho do meu pais,Sou napolitano e tenho que dizer que esto artigo è lindo e esta escrito com amor e verdade!obrigado !!

  4. Ana, estou planejando viagem pra Italia. Fiquei encantada com a beleza da escrita viva que é este texto seu sobre Napolis.
    De tudo de ruim que já ouvi falar desta cidade, agora estou mais à vontade é muito curiosa para conhecer a cidade de meus ancestrais.
    Parabéns e obrigada.

  5. Ana, bom dia aqui direto de Napoles.
    Chegamos ontem, vindos de Roma. Mas, infelizmente, a primeira impressão horrível ?. As ruas estão imundas… Muito lixo, fezes de animais, roupas jogadas nas ruas… Enfim, chegamos e fomos dar uma caminhada e já nos deparamos com essa situação. Fiquei com muito medo, ao longo da caminhada, passamos por várias concentrações de imigrantes, que lembram muito bairros perigosos de BH. Só isso, já nos bloqueou. Mas, ao ler seu artigo incrível, me revesti de coragem e estou disposta a jogar fora o pré conceito e tentar descobrir mais sobre Nápoles. Afinal, nossa estadia será de 3 dias. Muito obrigada pelo seu lindo texto.

    • Ciao Ana!
      Puxa, que pena!
      Espero que tenham aproveitado Nápoles, e conhecido seu outro lado, que é tão encantador.
      Fico feliz que o meu texto tenha te motivado, espero que que tenha ajudado!
      Baci!

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