Cena 1 – Chegada em Palermo
Chego em Palermo de carro, à noite e sozinha. Meu apartamento fica no bairro controlado pelos chefões da máfia até os anos 80. A rua do prédio está bloqueada: algumas churrasqueiras grelham peixe, há muita fumaça, muita sujeira pela ruas, muita gente gritando, muita confusão.
Não tenho vontade de virar o carro e dar o fora dali, pelo contrário, aquela cena de alguma forma me atrai: largo o carro na esquina, pego minha mala de rodinhas e a arrasto por dois barulhentos e imundos quarteirões até chegar “em casa”.
Cena 2 – Estou em casa!
Abro o apartamento e começo a explora-lo. Amplo, bem decorado, quadros de Matisse nas paredes, lindos objetos de majolica estrategicamente posicionados. Subo as escadas para o segundo andar e um magnífico terraço permite que eu aprecie de cima a confusão lá de baixo.
Contrastes
E eu penso em quantas vezes ouvi o clichê: “Palermo é uma cidade de contrastes”. O luxo e o decadente, o belo e o feio, o silêncio e o barulho, a ordem e o caos…
No dia seguinte começo a visitar a cidade e mudo de ideia. “Uma cidade de contrastes” me parece uma definição pobre e previsível demais para Palermo. Quase um desrespeito!
Os “contrastes” mais evidentes e palpáveis são os binômios: riqueza-pobreza, sujeira-limpeza, caos-ordem. Mas com um olhar mais atento você vai perceber que entre os dois extremos a cidade apresenta uma infinidade de nuances. E nesse caso os “contrastes” acabam criando uma crescente harmonia e se complementando.
Me atrevi a perguntar para alguns palermitanos o que achavam de sua cidade. Mais do que um me respondeu pensativo: “strana…”.
É isso! Ela é estranha! Não se entrega pra você de bandeja só porque você está ali para conhece-la. Não se preocupa se você vai gostar dela ou não, se vai entende-la ou não, se vai querer voltar ou não. Na verdade, ela não está nem aí!
Palermo é autêntica, impiedosa, passional. Quase rude…
Pra começar, dificulta a vida dos turistas, já que não tem uma única importante atração. Não tem o Coliseu como Roma, ou o Duomo como Florença. Você fica perdido no meio daquele monte de monumentos descentralizados e tem a sensação que tudo ali é extremamente importante (e é!) e imperdível (também é!).
Comigo aconteceu assim: saí pelas ruazinhas sinuosas, estreitas e escuras do bairro Kalsa em direção à esquina mais famosa da cidade: “I Quattro Canti“, que nada mais é do que o deslumbrante cruzamento entre as duas avenidas principais (Via Maqueda e Via Vittorio Emanuele), que dividem o centro histórico em quatro partes. A cada pouquinho que eu andava, surgia uma maravilha arquitetônica do nada. Assim, inesperadamente, sem aviso nenhum.
Meus olhos vidraram nos mosaicos bizantinos da igreja da Martorana, meu coração acelerou na Fontana della Vergogna e no quilômetro que separava meu apartamento do meu destino, Palermo me fisgou. Me apaixonei completamente! Mas minha completa rendição aconteceu quando cheguei no Duomo. Deu vontade de ajoelhar fora mesmo da igreja, em frente àquela fachada fantástica, que chega a perturbar de tanta beleza.
E olha que eu ainda nem tinha experimentado o famoso street food, não sabia da luta da sociedade contra a máfia e não tinha ido à praia de Mondello! Foi quase amor à primeira vista.
Passei uma semana andando pelas ruas de Palermo tentando captar a sua essência, mas tudo o que consegui foi voltar intrigada com o seu poder de sedução. E, claro, com muita vontade de voltar!